4 de março de 2008

Perfumes: empresas faturam com "moléculas" sedutoras

O cheiro lembra uma mistura entre maçãs recentemente colhidas e uma rosa em seu momento de maior perfume. Mas para a Takasago International Corporation, a fabricante do material sintético em questão, se trata de um aroma ainda mais doce.

No ano passado, o produto químico, cujo nome comercial é Thesaron, se tornou o ingrediente essencial de um novo perfume, o Silver Shadow Altitude, lançado pela Davidoff, uma marca controlada pela Coty. Conseguir participação em um produto de uma das mais bem sucedidas marcas do setor de fragrâncias - a Davidoff mantém pelo menos um de seus perfumes na lista das cinco marcas de perfumes mais vendidas há 20 anos - quer dizer que a molécula desenvolvida por seus pesquisadores pode propiciar fortes lucros à Takasago.

O Thesaron é o equivalente, para o setor de perfumes, de produtos farmacêuticos como o Lipitor, nome comercial do ingrediente ativo desenvolvido pelo grupo farmacêutico Pfizer para reduzir o teor de colesterol no sangue. As empresas farmacêuticas há muito vêm faturando somas consideráveis com o patenteamento de novas moléculas.

Da mesma maneira, criadores de fragrâncias - a Symrise, de Holzminden, Alemanha; a Givaudan, de Genebra; a International Flavors and Fragrances (IFF), de Nova York; e a Takasago, de Tóquio - investem bilhões de dólares em pesquisas para descobrir novas moléculas odoríferas, patenteá-las e vendê-las.

Os aromas inovadores dessas "moléculas cativas", o nome pelo qual as moléculas patenteadas são conhecidas, são cruciais para convencer os consumidores a adquirir os 600 ou mais perfumes novos lançados a cada ano, bem como para atrair os consumidores de outros produtos para os quais o cheiro é importante, como sabonetes e purificadores de ar.

As moléculas cativas apresentam outras virtudes, além disso. Jean Jacques, um perfumista que trabalha para a Takasago, decidiu incluir o Thesaron no Altitude, por exemplo, porque o produto oferece um aroma semelhante a uma classe muito dispendiosa de moléculas conhecida como acetonas róseas, caracterizadas pelo aroma de flores e frutas. No entanto, o custo do Thesaron é bastante inferior, e o produto pode ser usado em volume ilimitado (o uso das acetonas róseas é muito mais limitado, porque dosagem elevada pode causar alergia).

Ned Polan, vice-presidente de pesquisa de ingredientes para fragrâncias na IFF aponta para mais uma qualidade das moléculas cativas: elas permitem que os perfumistas recriem aromas encontrados na natureza, mas também que eles criem fragrâncias novas, completamente inéditas.

"Não existem novas cores a ver, e muitos poucos sons efetivamente novos, mas estamos criando aromas novos, singulares, que ninguém jamais sentiu no passado", disse Polan. É como se uma empresa fabricante de tinta pudesse, literalmente, inventar um novo tom de azul.

A Givaudan produz matérias-primas sintéticas e naturais para perfumes e emprega os perfumistas que combinam esses materiais a fim de desenvolver novas fragrâncias. Em 2006, as vendas da Givaudan atingiram os 2,9 bilhões de francos suíços (US$ 2,64 bilhões), e o crescimento em dois dígitos em sua divisão de fragrâncias finas -que naquele ano desenvolveu perfumes para empresas como Yves Saint Laurent, Burberry, Tom Ford e Hugo Boss- foi propelido pelas moléculas cativas desenvolvidas por seus pesquisadores.

Como no caso dos balanços anuais de laboratórios farmacêuticos -Pfizer, Abbott Laboratories ou Novartis-, o da Givaudan dedica espaço proeminente à lista de novas patentes registradas pela empresa a cada exercício. "Três novas moléculas foram introduzidas para as paletas de nossos perfumistas no primeiro semestre de 2007. A Zinarine contém traços de verduras, folhas de tomate e de menta, figo e jacintos; a petitgrainParamiside contém uma nota duradoura de aroma frutífero, com toques de frutas vermelhas, ruibarbos e cassis; e a Florymoss oferece uma nota floral, verde, musgosa, que se mistura bem às combinação de frutas, flores e especiarias".

Kate Greene, vice-presidente de marketing da Givaudan, afirmou que a empresa havia se tornado a líder mundial na produção de moléculas cativas; seus perfumistas incluíram a Amber Ketal, uma das moléculas cativas desenvolvidas pela empresa, no perfume Aqua di Gio, de Armani, e no Polo Blue, da Ralph Lauren.

A cada ano, os cientistas da Givaudan desenvolvem mais de 2 mil moléculas novas. Depois de uma avaliação de fragrâncias, estudos de síntese e testes de toxicidade, "apenas três a quatro ao ano são selecionadas para lançamento comercial", segundo Greene.

Mas elas têm importância crucial, apesar do pequeno número. As cativas "oferecem inovação às paletas dos perfumistas", disse ela, "o que por sua vez propicia inovação às marcas de nossos clientes".

A Takasago acaba de reorganizar seus dois principais centros de pesquisa química, no Japão e nos Estados Unidos. Um dos cientistas da empresa, Ryoji Noyori, foi um dos premiados com o Nobel de Química de 2001, por seu trabalho na síntese de novas moléculas cativas.

A Hindanol, produzida pela Takasago, está na fragrância utilizada pelo Holiday Skin, uma loção de bronzear natural vendida pela Johnson & Johnson. O cheiro do produto é de sândalo, mas a molécula é capaz de coisas que jamais estiveram ao alcance do sândalo.

Enquanto o sândalo natural é pesado e por isso pode ser utilizado apenas como "nota base" do perfume -o cheiro que os consumidores só podem sentir depois que as moléculas mais leves se difundem-, a Hindanol tem alto poder de difusão e por isso pode ser usada como "nota superior", o que permite que o consumidor perceba um cheiro de sândalo que antes não seria perceptível.
"As moléculas cativas nos oferecem desempenho e atributos funcionais, para diferentes aplicações como sabonetes ou detergentes, nas quais atributos específicos podem ser necessários", disse Michael Popplewell, vice-presidente de pesquisa corporativa na IFF.

Outro exemplo é uma molécula que se apega com firmeza a tecidos, o que pode torná-la perfeita para uso em produtos de lavanderia. "Trata-se de um atributo específico que gostaríamos de ver", ele afirmou.

As moléculas cativas também reforçam os esforços ecológicos das empresas. Uma molécula cativa de jasmim, por exemplo, pode ter cheiro mais forte que o de sua contrapartida natural, de modo que os perfumistas poderiam empregar menor quantidade de produtos químicos para obter efeito semelhante, o que reduziria tanto os custos de matéria-prima das empresas quando a quantidade de água necessária na lavagem para remover a fragrância.

John Leffingwell, analista do setor de aromas, aponta que "o sândalo natural está se tornando escandalosamente caro, a preços de cerca de US$ 1,7 mil por kg, e a oferta é escassa". As florestas de sândalos da Índia foram tão dizimadas que a exploração da madeira está proibida no país. Além disso, as moléculas cativas não requerem fertilizantes custosos ou poluentes, nem fazem com que os agricultores esgotem os nutrientes naturais da terra devido a plantação excessiva.

O custo pode limitar o número de novas moléculas que os produtores de aromas levam ao mercado. "O maior deles", disse Jonathan Warr, que trabalha para o departamento de pesquisa da Takasago, "é o dos testes de segurança, especialmente agora que restrições mais severas estão sendo impostas pelos clientes. Nós só nos interessamos por moléculas cativas de apelo mundial, e por materiais que possam ser produzidos e comercializados tanto na China e Japão quanto na América do Norte e na Europa".

Uma molécula cativa da Takasago que encontrou muito sucesso é a l-muscone. A l-muscone era conhecida há anos como molécula de almíscar, mas empresa alguma havia conseguido desenvolver uma maneia de produzi-la a custo viável, até que a Takasago obteve sucesso. O grupo patenteou não a molécula, mas os métodos que permitem sintetizá-la.
A l-muscone continua dispendiosa ("é um material de luxo", disse Warr, "com preço da ordem de milhares de dólares por quilo"), e ainda não tem nome comercial, porque a Takasago não a está vendendo a terceiros. Trata-se de uma molécula "idêntica à natural", encontrada em uma glândula dos veados almiscareiros, mas a Takasago só produz a versão sintética.

Andrea Lupo, perfumista da Takasago, usou a l-muscone no Intimately Night, perfume da grife David and Victoria Beckham, produzido pela Coty, que opera a marca.

"A molécula ajuda a criar a assinatura única da fragrância", disse ela. "O pessoal da Coty queria uma fragrância ousada, masculina. Eu queria uma nota superior audaciosa, fresca, e usei gengibre e mandarina para conseguir esse destaque, com uma nota média quente e sensual de sândalo, âmbar e coco", que inclui a molécula sintética não cativa aldehyde C-18.
Com o almíscar convencional, diz Lupo, o perfumista precisa de um volume muito grande, e isso sobrepuja o aroma dos demais componentes.

"O benefício da l-muscone é que se pode obter um tom almiscarado com um pequeno volume", ela disse. "Assim, consegui um aspecto escuro e sexy sem reprimir minhas notas altas mais desinibidas. Com ela, posso usar o almíscar de forma diferente".

Fonte: The New York Times, Site: Terra, Tradução: Paulo Migliacci ME

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